D'propósito

31 de maio de 2011

Cheiro do passado

Passado, mantenha à distância! Foi o que Estela pensou quando as noites de sono perderam sua paz e as manhãs pediam o gosto do café amargo dele. Ela gostava da idéia do que viveram juntos, desejou e aceitou começar de novo até perceber que a história deles nunca havia terminado, tampouco começado. Foi o que ele justificou sobre o que acontecera quando ela, ainda apaixonada, decidiu ir embora e ele permitiu sem fazer escândalo ou esforço pra não deixar. Ele justificou sobre o passado com a mesma naturalidade que troca de canal sem pedir licença e passa lentamente a margarina no pão.

A história não existiu. O passado tinha sido corriqueiro, só mais uma relação talvez, concluiu Estela, que um dia acreditou e viveu pelos dois, quando ele, provavelmente, simulou a importância do que não foi. Estela que nunca foi de implorar amor e talvez só fosse uma grande contadora de história da própria vida, terminou o café, lavou a louça e disse:

- Eu ia continuar o que nunca houve. Obrigada por me usar e avisar.

E foi embora, sem bater as portas e sem voltar atrás, mesmo com o pedido dele pra ficar, pra esperar.

E foi no caminho pro futuro que Estela descobriu que o pior não é ser usada, mas saber que foi mais insignificante do que imaginou.


24 de maio de 2011

Depois de um, sempre outro



depois de um amor vem sempre um outro amor
você foi o amor que veio depois

do outro.

e ficou pra depois, o amor
agora quer ser o outro
pra recomeçar do meio onde paramos.
Eu queria o amor

de outro.

pra você ter certeza que depois de um amor
vem sempre um outro novo amor.


20 de maio de 2011

Apenas uma página

Acho bonito, poético e romântico quando alguém lê o trecho de uma poesia ou crônica e num suspiro do ouvinte, o leitor quase na mesma respiração, arranca a página sem dar importância à patente do autor. Pode ser Drummond, Quintana, Vinicius, Guimarães, Florbela, Xico, Chico, Carpinejar, Caio, Vargas Llosa, Mia Couto. Não importa o autor. Importa a palavra e a gentileza de oferecer, naquele momento, apenas uma página de todo o livro.

Arrancar apenas uma página é ser altruísta, elegante e apaixonado, é proporcionar o amor em vários pedaços com trechos diferentes. Arrancar apenas uma página é ser apegado a possibilidade do que se pode escrever e não ao que já foi escrito. Dar um livro é entregar a história, oferecer apenas uma página é pedir pra montar uma obra juntos.

19 de maio de 2011

Covardia

Eu odeio a maneira como você chega a mim, mas gosto quando fica. O problema não é nem quando vai embora, você me acostumou a seguir em frente. O difícil é mesmo quando você chega. Te evito pra não correr mais o risco de cair, recair e decair. Pra não correr mais o risco de ser só você e cada vez menos eu, e cada vez menos, e cada vez menos. Um eco sem fim, um vicio sem limite, um sentimento perturbador.

O meu jogo, ou o nosso jogo se tornou a disputa de quem se importa menos e quem deseja mais. Eu não gosto mais do seu corpo, eu não gosto mais do que você é, sou apegada pelo que conheci pelo estranho que você foi um dia. Não chegue, não apareça, não me mata de vontade nem de ciúme. Não me faça brigar nem mentir pra você.

Eu não esqueço o que fomos pra lembrar como tudo em mim foi melhor com você. Exceto pela coragem que me roubou no medo de te perder por definitivo. Eu diria pra sempre, de te perder pra sempre, se ‘pra sempre’ não fosse tempo demais e, ainda assim, insuficiente pra me fazer assumir que eu não consigo te enfrentar e não consigo enfrentar as pessoas por você. Não mais. Eu até te quero, te quis, mas tenho vergonha. Sua, de nós, do que se tornou, do que seria. Ganhamos a intimidade, perdemos o respeito e acabamos com tudo.
Foi a minha covardia e a sua coragem exacerbada.

18 de maio de 2011

Deleite


Tem dias que Estela é o homem de sua vida. Sim, ela mesma. Abre a porta, paga a conta, toma vinho, vai ao teatro, cinema, parque, show, casamento, festa de criança, faz amor. Quase sempre sozinha.

Estela era seu homem, sua companhia. Excelente companhia, inteligente, pele fresca, olhos de gato, corpo sempre desenhado a meia luz. Mas Estela continuava sozinha. Recebia galanteios de uma parte e de outra. Mas era exigente. Foi mulher de poucos homens, não de corpo, de coração. De corpo, quando a ausência não resistia ao tempo, ela revisitava o passado, a lista seleta dos poucos e bons. Mas de coração Estela foi de dois ou três. Dois! Eu, autora, prefiro os pares. Deve ter sido dois. Os outros números não são o suficiente para lhe fazer mulher, ou o homem da sua vida, tão pouco companhias para abrir a porta, tomar vinho, ir ao teatro, cinema, parque, show, casamento, festa de criança, fazer amor.

Poucos compreendiam que Estela era sua melhor companhia e que aquilo, de flanar sozinha não era solidão, nem sassaricagem da mulher que vai a caça. Estela não era a mulher rica-sucedida-independente. Não. Só que Estela se criou no homem da sua vida, na ausência de outro. Aprendeu que sair aos domingos, jantar e pegar cinema sozinha não é solidão, é estado de quem se aceita ser o amor da sua vida.

17 de maio de 2011

A saudade do Eulírico

- Se eu disser que tenho saudade você acredita, Eulírico?
- Camila, Camila, Camila! Eu Não acredito que está aqui eu precisava tanto falar com você!
- Eu senti
- Sentiu?
- É, Eulírico. Quando se está conectado com alguém, de alguma forma, a gente sente as vibrações, as intuições, os desejos, a energia do outro. Você não sente?
- Não sei, mas acho que sempre chamei isso de saudade.
- Talvez, saudade pode ser uma boa desculpa para dizer sobre tudo o que sentiu na ausência de alguém.
- Você demora tanto que a saudade desperta tudo isso.
- Eulírico, apesar das poucas visitas que te faço, você está sempre presente, principalmente no arquivo deste blog, que sempre marca nossos encontros. Mas me conte o que despertou em você nesse tempo todo?
- Vontade do passado.
- Do passado, Eulírico?! Vontade de viver de novo?
- Um pouco, mas vontade de viver de novo com o que sou hoje. Você não tem vontade de reescrever as histórias?
- Reescrever, não. Mas as viveria de novo, se voltasse. Mas como não há maquina do tempo, eu deixo todas as histórias guardadas, pra quando bater a saudade, relembrar.
- Eu, não. Fico desenhando o passado no presente, ou no futuro.
- Isso se chama auto-boicotar. Você cria cenas, ilusão, expectativa sobre o que já foi.
- Algumas coisas voltam a ser.
- Não como eram antes.
- E quem disse que quero como antes?
- Vaso colado não enfeita sala, já ouviu isso?
- Não.
- Eu inventei agora.
- Não achei muito bom.
- Uerevá, Eulírico. Mas entenda que essa sua vontade de reescrever o passado é boicotar o seu presente. Pensa: o meu exemplo do vaso é claro. Você compra um vaso lindo pra decorar sua sala de estar, até que um dia ele cai e quebra. Você fica triste, pagou caro, investiu naquele vaso como uma peça de arte. Não conformado você cola peça por peça, você acha que o vaso vai enfeitar da mesma maneira?
- Não. Mas...
- Mas não será como antes. Entenda: reescrever o passado é como Rei Leão 2.
- Rei Leão 2?
- É que Rei Leão 2 é muito pior que o primeiro. Não tem utilidade nenhuma, porque tudo que o espectador lembra é do Rei Leão 1.
- Você podia ter usado outros filmes, Camila.
- Podia, é que Rei Leão está na lista dos meus preferidos que não deveriam ter lançado outros depois.
- É, mas Tropa de Elite 2 é melhor.
- É uma exceção, mas a discussão é outra, não é cinema.
- Eu queria fazer a exceção.
- Nesses casos você não faz a exceção, você é a exceção, Eulírico. Não inventa história que não tem continuação, não faz trilogia do passado.
- Mas eu só queria ter mais uma oportunidade, Camila.
- Eu também queria ter várias oportunidades novamente com a maturidade de hoje para não ser precipitada, mas histórias não esperam o tempo certo para serem escritas. Se vive e pronto. Sem mais, sem tempo para uma melhor oportunidade. Por isso que os momentos só se escrevem uma vez, reescrevê-los é borrar sobre a história que é boa de ser lembrada.
- Isso é amadurecimento, né?
- E um pouco de bom senso.
- Mas saudade eu posso sentir...
- Pode, só não tente colar o vaso.
- Vou ver Rei Leão 2, eu não lembro.
- Vou ver com você, pra provar que o primeiro é muito melhor.
- Hakuna Matata.
- Hakuna Matata, Eulírico.

7 de maio de 2011

Sempre que a paixão estiver em cartaz

O título podia ser de peça com apresentação às quatro da tarde, ou de um romance barato pouco popular, ou ainda, de uma roda de viola daqueles que o meu avô e o seu, com certeza, ouviram um dia. Mas não é isso, até porque sou péssima para títulos e não é nada disso. É só o princípio do meu vício. Doce, doentio, glamuroso e amargo de ver a paixão sempre ali, brilhando, nos palcos. É, nos palcos mesmo. Não precisa ser de um grande teatro ou casa de show, pode ser improvisado, feito, amarrado, convidado, para uma roda qualquer que apresente o talento, encante meus olhos e faça esse coração que sofre de sopro acelerar feliz.

É isso, é tara por pessoas notáveis, com o talento de seduzir um monte de gente duma vez só. E como cada um tem uma preferência para o sexo oposto, ou de mesmo sexo, que seja. O amor é livre e o matrimonio homossexual está liberado. Amém! E muito bem, os moços e as moças solteiras caçam nas ruas seus tipos, aqueles que fazem o perfil. Loiro, moreno, musculoso, magrelo, gordo. Todo mundo tem uma prioridade, a não ser, claro, quando você é o escolhido ou em situações de crise que o que vier é lucro.

Mas eu, no alto da minha solteirice – (até que o chileno volte para o brasil) descobri no primor da sassaricagem que eu não tenho preferência, não. Ao menos não assim, do estilinho tal, com o corpinho pans. Mas claro, sempre tem que preencher os requisitos básicos de sobrevivência para alguns encontros. Boa formação cultural, escrever bem, percepção do ridículo, prático, decidido, não ser metrossexual, ter paciência com meus atrasos e algum talento artístico, de preferência musical. A lista parece grande, mas não é. São só requisitos, sempre adequáveis e flexíveis dependendo da proposta encantadora da paixão.

Primeiro eu achava que gostava de loiros, até namorar um moreno quase mulato. Depois um gordo. Em seguida um loiro, forte, dos mais lindos que um dia eu consegui na vida. Outro gordo. Um magrelo. Um baixinho e todos altos. Quanto aos homens, fisicamente falando, eu não tenho preferência, não fosse a coincidência de a maioria, ou as mais fortes paixões terem sido por pessoas notáveis.

Tem quem ache que sou interesseira. E de tanto me acusarem parei pra pensar. Mas Não. Não mesmo, afinal, estar no palco ou ser músico não significa que a pessoa tenha dinheiro. E não são as notinhas verdinhas que me encantam neles. Até porque, no fim das contas e depois de um tempo, todo jantar é dividido. Mas na verdade o que encanta é o glamour, é ver e poder possuir aquele que nos seus 90 minutos ou mais, arrebata uma plateia.

Tenho uma amiga que diz, “seu problema é o microfone, você é louca por um microfone”. Sou! E domine o palco então pra ver! Me apresento e estreio uma nova paixão. No fundo, eu tô descobrindo que não precisa ser artista, não. Só ter o espírito de um, pra que eu possa sempre colocar a paixão em cartaz.



E pra continuar no ritmo, um clássico do Robertão na versão bacanuda dos talentosos Marcelo Jeneci e Laura Lavieri.